sábado, 29 de agosto de 2015

O Negro Doutor no País da Democracia Racial

Dr. Carl Hart, neurocientista americano com 3 pós-doutorados, professor da Universidade de Columbia, quase foi impedido pelo segurança no hotel onde ministraria uma palestra em São Paulo, "por não parecer alguém que devia estar ali".
Não é raro ouvir dos anti-cotas que "todos somos iguais perante a lei". Este excerto, que pouca gente sabe, de fato a qual artigo da Constituição pertence, sempre é invocado para justificar uma suposta igualdade racial no Brasil, como se todos realmente usufruíssem deste direito. Os racistas, os mal-informados e os "bem intencionados" costumam usar este argumento ao dizer que, já que somos todos iguais, qualquer reserva de vagas a determinado grupo social deve ser vista como "privilégio", e qualquer explicação acerca do contexto histórico sobre o qual as Ações Afirmativas estão inseridas, a tradição escravista predominante ATÉ HOJE nas relações de poder, de trabalho, estéticas, religiosas etc. é tratada como "vitimismo". "Pra que vocês querem cotas? Vão dividir o Brasil por raças! Um país tão harmônico e miscigenado vai se tornar um país separado!"

Acontece que foram OS BRANCOS europeus que criaram a noção de raça entre seres humanos, em uma tentativa de legitimar sua "superioridade" sobre as demais etnias, justificando, assim, o sequestro de pessoas para trabalhos forçados, fenômeno conhecido como escravidão, bem como a imposição do Cristianismo sobre todas as religiões nativas da África e das Américas, vistas como "demoníacas", desde o período colonial.

Provavelmente, os cientistas brancos do século XIX não imaginavam, assim como a sociedade tradicionalmente racista atual não estava preparada para sentar e ouvir um homem Negro, neurocientista com três pós-doutorados, professor de uma das mais conceituadas universidades dos Estados Unidos e uma das principais referências sobre os efeitos das drogas no organismo humano.

Não foi só o segurança que tentou impedir a permanência do Dr. Carl Hart no Hotel Tivoli Mofarrej. Foram todas as pessoas que acham que brancos e Negros possuem oportunidades iguais. Foram todas as pessoas que dizem que o problema do Brasil é apenas econômico, pois um Negro rico sofreria menos preconceito do que um branco pobre. Foram todas as pessoas que tentam impedir nossa projeção em um país violentamente racista como o Brasil. Foi todo o sistema montado para que Carl Hart fosse o único doutor Negro no salão.

"Olhem para o lado e vejam quantos Negros estão aqui. Vocês deveriam ter vergonha!"

Atualizado: 30/08, às 12:12

Devido à (óbvia) repercussão negativa ao fato, o Dr. Carl Hart foi procurado pela imprensa pra comentar o caso e disse que não foi barrado na entrada do hotel, mas que um segurança se encaminhou em sua direção, pronto para interpelá-lo, por achar que ele "não deveria estar ali". Foi apenas por outras pessoas estarem por perto e ratificarem sua presença que ele não foi abordado com mais rigor.
Isto não muda a violência simbólica do ato. Não diminui nem deixa de ser um ato racista impregnado na nossa sociedade, em que um homem Negro precisa dar explicações e provar sua inocência o tempo inteiro, independente de ser doutor ou analfabeto.

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